THE OCEAN INSIDE A STONE
Out Now on Carimbo Porta-Jazz 2020

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Susana Santos Silva trompete
João Pedro Brandão saxofone alto, flauta
Hugo Raro piano, sintetizador
Torbjörn Zetterberg baixo
Marcos Cavaleiro bateria

The Past Yet To Come is here now . Impermanent.
Feeding us of Sweet Delusions. Pregnant of ideas.
Pregnant of Wanderhopes. We are here now.
Hoping for the Expanded Life The Drums Are Singing.
Or Is It The Trees? Or is it the Ocean?
The Ocean , Says The Healer . The Ocean Inside a Stone.

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The Ocean Inside a Stone é o segundo álbum do projecto Impermanence. Editado em 2015, o primeiro foi considerado pela crítica nacional como um dos melhores discos do ano. “Um desses discos que nos enchem a alma, muito bem pensado e tocado, imaginativo, desafiante.” (REP)
A música de Susana Santos Silva deambula entre universos musicais aparentemente distintos e dispersos mas que são unificados na impermanência de tudo o que existe. Um fluxo energético eterno e constante através do tempo e do espaço que, neste novo álbum, se materializa em sete distintos micro-mundos de um todo orgânico e mágico. A grande amplitude estética desta música e as consequentes explorações melódicas, rítmicas, texturais, estruturais, moleculares e intergalácticas expandem os horizontes sonoros de uma realidade em constante metamorfose. Os músicos fazem parte deste todo que é muito mais do que a soma das suas identidades.
O belo em estado líquido, o ritual do ordinário, o caos violento mas efémero, a poética do absurdo e da fragilidade humana, a leveza do etéreo e do abstracto, a sublimação do presente definem este mundo transcendente, utópico, intangível e inimaginável.

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PRESS

Jazzarium.pl by Piotr Wojdat
The last Susana Santos Silva album that really impressed me was the unique project “All The Rivers” from 2018. For his needs, the artist faced her own skills and limitations for the first time. The trumpeter from Porto recorded her solo concert for this album, and this took place in a very important place for the Portuguese, because in the National Pantheon located in the old Alfama district in Lisbon.
Since then, the trumpeter has remained very active: she gave concerts and released new albums. However, the sounds from that album still remained in my head, on which Susana not only reached the heights of her skills, but also perfectly used the unique acoustic conditions prevailing in the beautiful church of Santa Engracia. It was a really strong thing. It gave a feeling of unreal, as if while listening we were in a permanent state on the border of reality and sleep.
In 2020, Susana Santos Silva, who currently resides in Stockholm, returns with her other project – Impermanence. This is the band’s second album. This time, the artist draws attention to the impermanence and fragility of everything that surrounds us. This is suggested by the titles of individual songs that form a poem:

“The Past Yet To Come is here now. Impermanent.
Feeding us of Sweet Delusions. Pregnant of ideas.
Pregnant of Wanderhopes. We are here now.
Hoping for the Expanded Life The Drums Are Singing.
Or Is It The Trees? Or is it the Ocean?
The Ocean, Says The Healer. The Ocean Inside a Stone. “

This anxiety and this uncertainty was something abstract, unreal for us. By the time. However, in the times of crisis that ensued, Susana’s universal message echoes with redoubled strength. She is helped in this by the same quintet with which she recorded her first album “Impermanence”.
This time, however, the quintet’s sound is much more muscular and the music is more varied. On the first contact, “The Ocean Inside a Stone” even seems to be an incoherent album, as if composed of incompatible acoustic, electric and ethnic elements. With each subsequent listening, however, it becomes clear that Susana Santos Silva leads the group with her natural charisma and conviction that the choices she makes are right. Music is therefore both chaotic and abstract, but it can also be ethereal and energetic. It expresses anxiety and uncertainty, expressing these emotions in a very suggestive way. However, it leaves us with hope in the form of the beautiful ballad “The Healer”, which crowns this excellent work and makes us feel a bit more positive in a difficult time for everyone.

The Free Jazz Blog Collective by Lee Rice Epstein
Shortly after, she posted hints on Instagram that something new was coming soon, and The Same Is Always Different arrived on her Bandcamp account just a couple weeks later. (Interestingly, just like when I purchased The Ocean Inside a Stone, the full album arrived by email, and the Bandcamp download was only a partial album. I have some thoughts about why this might be, although I have not yet connected with her to follow up, so I’ll restrain from getting into them further. Suffice to say, I’ve had several conversations with musicians about some of the inherent structural weaknesses in Bandcamp.) And what, exactly, had arrived at that point? A radical alter-ego of her solo debut, All the Rivers, The Same Is Always Different reflects that first album from the vantage point of two very long years, and a global pandemic that’s barely let up. Where “All the Rivers” opened with majestic, echoy long tones, “The” is 20 minutes of extended brass drone, minutely shifting in subtle gradations, but meeting the listener with an almost confrontational tone, not unlike Roscoe Mitchell’s first solo version of “Nonaah,” from Willisau. But separating “The” from “Nonaah” is what feels like the intense strain of being alone. On the remaining tracks, “Same,” “Is,” “Always,” and “Different,” Santos Silva navigates pain, confusion, the infinite regression of isolation. What she produces, however, is an album full of wit and sustained reflection. Each track begins with an idea, which could easily fade or blossom into something new. But Santos Silva travels the path less taken, diving deeper into the explored sound, prodding it, manipulating it, like challenging herself with the question of, “What if this is all that remains?” The titles, derived of course from the album title, hint at a hopefulness that threads itself so delicately through the whole, it’s really only grasped with repeated listening, with the kind of immersive submission one rarely grants oneself. As the minutes stretch and bend, and time distorts with astonishing fluidity, she stitches together a narrative that reconstructs this moment for future audiences. It’s less of a snapshot, more of a wish. For, while I am merely a listener, used to hearing an album on my own terms, fairly commonly by myself, there is a lack in the life of a performing artist, a yawning gap where fellow musicians and audience members typically reside. What her isolation has loosed is a funneling of emotion into some of her most experimental, electro-acoustic work. I’m already jealous of anyone who gets to see her perform again, when the rest of the world figures out how to right itself and re-emerge properly.

Rimas e Batidas by Rui Miguel Abreu
O quinteto Impermanence comandado pela trompetista Susana Santos Silva chegou aqui ao seu segundo registo, depois da estreia, em 2015, com um lançamento homónimo que resultou de encomenda do Guimarães Jazz e da Porta-Jazz. Neste registo lançado em Fevereiro último, a trompetista volta a liderar o mesmo ensemble com João Pedro Brandão a dividir-se entre o saxofone alto, a flauta e o piccolo, Hugo Raro em piano e sintetizador, Marcos Cavaleiro na bateria e, uma vez mais, o sueco Torbjorn Zetterberg no baixo.
Nesta sessão registada em finais de Julho do ano passado no estúdio Groove-Wood, expande-se a premissa tímbrica da primeira aventura do quinteto com recurso a mais instrumentos e, portanto, com a abertura de mais possibilidades exploratórias. E isso fica explícito logo na segunda parte de “Expanded Life”, tema de abertura desta viagem. Depois da declaração de intenções exposta na abertura, com o quinteto a procurar encaixar-se, como peças de lego, numa arrojada figura de ângulos definidos, na segunda parte a derrapagem longa torna-se mais abstracta e fluída, rumando ao silêncio, como uma filigrana delicada de sons que se vai tornando cada vez mais ténue, até quase desaparecer no próprio ar, dando a Susana a possibilidade de extrair expressivas passagens do seu trompete, já quase só respiração que se enreda no grão electrónico do sintetizador.
E é do silêncio que a peça seguinte nasce, com a líder a assumir a dianteira, amparada pelo cinemático piano, como se houvesse um filme à espera de acontecer entre estas notas suspensas. O diálogo entre o trompete e a flauta é particularmente feliz neste “Wanderhopes”, uma alegre dança de expressivas notas a que os restantes “bailarinos” se juntam, apresentando, cada um, pequenos, mas assertivos movimentos, que procuram sempre a complementaridade, ainda que não necessariamente algum tipo de harmonia espacial mais convencional, como num palco em que pudessem evoluir corpos comandados por Merce Cunningham.
O tema que oferece o seu título ao álbum é a última parte do tríptico inicial de peças mais longas (juntas somam mais de meia hora), um exercício exploratório puro, abstracto no propósito, mas vibrante de intenção, intrigante ao início, mais melódico e quase clássico a dada altura, com os sopros a conduzirem os procedimentos, e depois com uma atmosfera de feira induzida pelo órgão de carrossel a que se junta uma quase pastoral flauta numa marcha que sugere algo de Tom Waits antes do tin whistle de Susana despontar num solo de uma estonteante e expressiva beleza, qual Hamelin que conduz os “meninos” do quinteto até ao fim do arco-íris.
A segunda parte do álbum é mais contida na duração dos exercícios, mas não menos aventureira, oscilando entre passagens mais abrasivas e algo caóticas, com os músicos a extraírem verdadeiro nervo das suas ferramentas, e outros momentos mais poéticos de maior leveza. Há lugar a passagens solistas de piano (“The Past Yet to Come”), com o silêncio desenhado entre notas suspensas, a imaginadas viagens a África sugeridas pelo tin whistle e comandadas por uma percussiva barragem tão densa como a folhagem por onde vagueia o pássaro-pífaro (“The Drums Are Singing Or Is It The Trees”) e um dramático e sério final, de tonalidades quase fúnebres ao arranque (“The Healer”), com o trompete de Susana Santos Silva a afirmar-se, mais uma vez, como séria fonte de originalidade discursiva a que os outros elementos deste ensemble correspondem com solidez técnica a toda a prova, inventividade musical e pertinência absoluta em cada nota debitada.

Percorsi Musicali by Ettore Garzia
The driving force of Susana Santos Silva Impermanence is based on an act of rebellion that we have come to know in free jazz and free improvisation, an energy that is always good to share and lead to new maturations. The new CD just released, with the beautiful title The ocean inside the stone, is free jazz poetry that travels on the wave of a collective without saving energy, improvisers who already demonstrate their artistic fullness here. With Susana Santos Silva on trumpet and tin whistle, her favorite bassist (Torbjörn Zetterberg) and three Portuguese improvisers to discover (João Pedro Brandão on saxophone and flute, Hugo Raro on piano and synth and Marcos Cavaleiro on drums) follows her. Susana said in the notes:
The Past Yet To Come is here now. Impermanent.
Feeding us of Sweet Delusions. Pregnant of ideas.
Pregnant of Wanderhopes. We are here now.
Hoping for the Expanded Life The Drums Are Singing.
Or Is It The Trees? Or is it the Ocean?
The Ocean, Says The Healer. The Ocean Inside a Stone.
The initial piece of The ocean inside the stone is a wonderful admission ticket: Expanded life makes it clear how organized the musical discourse of Santos Silva is, which I personally consider one of the most talented improvisers in the world; trumpet combined with effective electronics, many excellent details and a compact, strong and passionate overall sound. A distant thought creeps into Wanderhopes, it takes me to a market in a country to which I cannot give a name, among bells, addressed piano, trumpet and flute that evoke reminiscences of the Art Ensemble of Chicago of the old days. The central melodic tune of The ocean inside a stone is surprising and has something to do with Fiorenzo Carpi and Pinocchio’s soundtrack, but it is a perfect contrast to introduce himself to the free jazz torpor of the subsequent Sweet Delusion; while the piano isolation of The past yet to come is very successful to give way to a piper playing in a Tunis market. The conclusion suggests that the cure for spirits who are eager for change is still in Coltrane’s changes and in the legacy of A love supreme, a theme that does not stop even in the new generations: Susana says: “… The beautiful in a liquid state, the ritual of the ordinary, the violent but ephemeral chaos, the poetics of absurdity and human fragility, the lightness of the ethereal and the abstract, the sublimation of the present define this transcendent, utopian, intangible and unimaginable world .. . “. Ettore Garzia (google translation)

Salt Peanuts by Eyal Hareuveni
The Ocean Inside a Stone is the second album of Portuguese, Stockholm-based trumpeter, Susana Santos Silva, with her Portuguese quintet Impermanence. True to the title of this group, the music suggests a sense of urgency and distress of our nowadays urban lives, fully aware of the impermanence of all sentient beings, as the attached poem emphasizes:
The Past Yet To Come is here now. Impermanent.
Feeding us of Sweet Delusions. Pregnant of ideas.
Pregnant of Wanderhopes. We are here now.
Hoping for the Expanded Life The Drums Are Singing.
Or Is It The Trees? Or is it the Ocean?
The Ocean, Says The Healer. The Ocean Inside a Stone.
The Impermanence quintet – Santos Silva adds voice and tin whistle to her trumpet, reeds player João Pedro Brandão, pianist Hugo Raro, drummer Marcos Cavaleiro and Swedish bass player Torbjörn Zetterberg – was founded five years ago when Santo Silva was invited to perform by Porta-Jazz and the Guimarães Jazz Festival. The personnel remains the same as the one that recorded the self-titled debut album (Carimbo Porta-Jazz, 2015), but on «The Ocean Inside a Stone» Raro focuses on the synthesizer and Zetterberg switched from double bass to electric bass, so the sonic envelope gravitates into muscular and energetic, art-rock.
Santos leads this quintet with natural charisma, embracing the contradictions and constant sonic detours of this highly articulate and resourceful jazz quintet that plays abstract and sometimes chaotic and brutal, rock-tinged music. The restless seven-parts suite flows with great passion and evocative ideas, or as Santos Silva says it: «The beautiful in a liquid state, the ritual of the ordinary, the violent but ephemeral chaos, the poetics of absurdity and human fragility, the lightness of the ethereal and the abstract, the sublimation of the present define this transcendent, utopian, intangible and unimaginable world». You can feel vision materializes in «Wanderhopes», highlighting a poetic and free-associative dialog between Santos Silva and Brandãoor in the title-piece, charged by Brandão with addictive sensual energy or in the festive, Brazilian-tinged «The Drums Are Chanting, Or Is It The Trees?» Santos Silva summarizes best the compassionate, inclusive spirit of this album with the beautiful, closing ballad «The Healer».

Ípsilon, Público by Gonçalo Frota
Toda essa experiência anterior havia de revelar-se determinante para a composição de The Ocean Inside a Stone, título do segundo álbum do quinteto Impermanence, lançado pelo Carimbo Porta-Jazz (ramo editorial da associação portuense). Embora a música do primeiro álbum deslizasse entre ambientes com uma fluidez invejável, com os solos a emergirem sem a sensação de que seguiam aquela regra estafada do jazz que manda tocar o tema e depois abrir as comportas dos solos para cada um puxar o protagonismo para si, concluindo de novo com o tema — um formato que “chateia profundamente” a trompetista —, desta vez Susana queria manter-se ainda mais ao largo de quaisquer estruturas. Nos concertos desse primeiro Impermanence, compara, os músicos ficaram “algo presos nas estruturas e foi difícil sair delas”. “Ao vivo havia sempre momentos completamente improvisados, podíamos fazer o que quiséssemos, mas esses momentos eram mais individuais. Agora queria que fosse tudo mais livre e flexível.” The Ocean Inside a Stone não tem praticamente momentos desses, em que o grupo prepara o solo de um dos seus elementos. É um álbum que se ouve sempre num fôlego colectivo, seguindo até mais “a ideia de uma banda de rock”, acredita Susana. Tanto assim que terá perguntado algumas vezes aos seus companheiros: “Isto é fixe para vocês? É que não há assim grandes espaços para cada um brilhar, a ideia é mesmo que seja um todo.” E isso será talvez aquilo que existia de mais sólido nas suas intenções musicais. “O disco não é muito conceptual, no sentido em que não tenho um fio condutor muito concreto de música para música. São ideias que me saem espontânea e instantaneamente, não penso nelas muito tempo, não penso na tradução para o papel. São fruto de todas as minhas influências, mas não é algo pensado, estudado ou planeado. Às vezes, tenho apenas um motivo pequenino e depois com a banda chegamos a forma viável de transformar aquilo em música.” Onde outros músicos cederiam seguramente à tentação de pegar nessas pistas e trabalhá-las até lhes dar uma forma e uma estrutura muito específicas, Susana prefere usá-las como zonas definidas por onde a música tem de passar, ainda que o trajecto entre dois pontos não tenha de obedecer a nenhuma decisão prévia — como um mapa que mostra o ponto de partida e o de chegada, mas que oculta tudo aquilo que existe no meio. Basta perceber o que se passa ao longo dos 11 minutos de Expanded life, tema de abertura: depois de começar com uma linha de baixo eléctrico que poderia servir a uma banda de shoegaze e uma bateria que o acompanha num andamento completamente diferente — uma secção rítmica que avança com passadas desacertadas —, ao qual se juntam trompete e saxofone com o tal pauzinho na engrenagem traduzível em dissonâncias que colidem maravilhosamente com o resto, e teclados em delírio desabrido, tudo resvala para uma secção minimal, desossada pouco depois até perder todo o esqueleto, e se extinguir numa zona etérea. Ou seja, as partículas de estrutura dão substância às criações de Susana Santos Silva, mas vão e vêm, aparecem e diluem-se noutras ideias, sem movimentos bruscos, simplesmente aceitando uma condição de transformação permanente. The Ocean Inside a Stone está cheio destas revelações, de uma música, como dizíamos antes, que se mostra e ao mesmo tempo se evade. Wanderhopes é exemplo de uma fuga permanente, mas quando parece que o disco está a aventurar-se por terras sobretudo abstractas, o tema título ergue-se a partir de escombros sonoros para primeiro montar uma sequência melódica de uma beleza progressivamente mais onírica que, pouco depois, desemboca numa magnífica valsa circense. Impermanence é, por isso, terreno tanto para a música improvisada e livre a que Santos Silva se dedica habitualmente quanto para estas eclosões de ordem elegante mas imperfeita, que podem alongar-se por 11 minutos e criar relações entre diferentes e imprevistas secções, mas também cumprir-se enquanto apontamento pianístico de minuto e meio. Em ambas as situações, no entanto, há ambientes que Susana sabe querer explorar com maior ou menor rigor. No caso de The past yet to come, essa curta peça para piano com ecos de Ligeti, Susana “ouvia exactamente o ataque e a duração de cada nota”. Um par de temas adiante, o álbum termina com The healer, beleza ascensional em estado puro, aparentada dos projectos de Giovanni Di Domenico (entre os quais Oba Loba, partilhado com Norberto Lobo). 

FreeForm FreeJazz  ***** by Fabrício Vieira
Artista fundamental da free music contemporânea, a trompetista portuguesa Susana Santos Silva tem desenvolvido uma sólida trajetória na última década. Tendo iniciado sua discografia como “Devil’s Dress” (2011), conta hoje com mais de 20 títulos editados, entre trabalhos como líder e colíder. A multiplicidade dos projetos com os quais está envolvida permite que ouçamos suas ideias navegando por vias variadas, do jazz livre à improvisação mais abstrata, sempre com alta inventividade e apuro técnico.
Natural do Porto e hoje residente em Estocolmo (Suécia), Santos Silva se iniciou no instrumento ainda na infância, estudando depois trompete clássico e jazz na Escola Superior de Música (ESMAE) e fazendo mestrado em Jazz Performance, em Roterdã. A trompetista tem feito de tudo nesses anos, apresentando-se em todos formatos, do trabalho solista à participação em big bands, como a Fire! Orchestra, sempre gerando grande interesse. “[O trabalho solistaInteressa-me, de facto, como uma oportunidade de me desafiar, de correr riscos que me podem levar a sítios ainda por explorar. Encontra-se o máximo de liberdade possível quando se toca a solo e isso é muito interessante, até porque a liberdade total levanta outras questões, nem sempre fáceis de resolver. Mas, na realidade, prefiro a interacção com outros músicos. Para mim, improvisar passa, em grande parte, por essa conversa com o outro, passa por descobrir o outro músico em cima de um palco e, juntos, criarmos algo completamente novo, que não poderia soar igual com mais ninguém”, disse Susana em entrevista ao FreeForm, FreeJazz em 2016.
Para quem estava ansioso por novidades de Susana Santos Silva, boa notícia é a chegada de um novo álbum, The Ocean Inside a Stone. O disco foi registrado com o quinteto Impermanence, um de seus grupos em atividade atualmente. O quinteto surgiu há alguns anos a partir de um convite feito pela Porta-Jazz em parceria com o Guimarães Jazz Festival. A ideia era que Susana comandasse um grupo com artistas portugueses e um convidado estrangeiro, além de compor peças para o projeto – o estrangeiro em questão é o baixista sueco Torbjörn Zetterberg, parceiro de Susana em vários outros projetos. O Impermanence estrearia em disco em 2015, em álbum homônimo, para chegar apenas agora ao esperado segundo título. Para esta nova empreitada, Santos Silva convocou os mesmos músicos: João Pedro Brandão (sax alto, flauta, piccolo), Hugo Raro (piano, sintetizador), Torbjörn Zetterberg (baixo elétrico, qraqeb) e Marcos Cavaleiro (bateria). Se os instrumentistas são os mesmos, a exploração sonora se revela ainda mais ampla; vale destacar que há uma instrumentação mais aberta em jogo (a própria Susana toca, além do trompete, o tin whistle, uma pequena flauta de metal), o que expande as possibilidades expressivas apresentadas e exploradas. O registro foi realizado nos dias 22 e 23 de julho de 2019, no Groove-Wood Studios (Porto). O resultado são quase 50 minutos de música, repartidos em sete composições da trompetista.
O disco abre com “Expanded Life”. Com seus mais de 11 minutos, leva o ouvinte a mergulhar no particular universo apresentado pelo álbum. De atmosfera irresistível, a faixa abre com vigorosa bateria, acompanhada por baixo e sintetizador, criando linhas de ar psicodélico sobre as quais o trompete desliza, logo acompanhado pelo sax, em um tema cortante que se abre a um solo do sax; essa primeira parte é rompida lá pelos cinco minutos, com um tema minimalista dos sopros, que vai crescendo, acelerando e se desdobrando, dominando a escuta daí adiante (sempre com a robusta bateria por trás), até o desfecho, com o trompete e o sintetizador nos encaminhando com vagar rumo à continuidade do álbum, fazendo dos últimos minutos algo bem climático. “Wanderhopes” surge com vagar, como que dando continuidade ao encerramento sereno do primeiro tema. Piano, trompete e flauta vão jogando fagulhas no ar, indo e vindo, destilando uma embriagante atmosfera, subindo o tom gradativamente, com piano e trompete ganhando algum protagonismo. Uma peça encantatória.  A faixa-título inicia com uma abordagem mais ruidosa, com sons como que duelando, tentando encontrar um rumo que, surpreendentemente, se abre a uma lírica e suave melodia, que se estende até o meio da peça, quando nos deparamos com um tema quase circense, nos remetendo a uma atmosfera de cabaré, algo bailante no ar, com um solo de flauta contagiante. “Sweet Delusion” traz o vigor de volta, abrindo com uma linha de baixo robusta, e os sopros em circular tema, que se desenvolve por meio de cortes e retornos, por entre sons que vêm e vão, que ficam ecoando na mente e nos ouvidos tempos depois. Após um breve intermezzo ao piano, “The Drums Are Chanting, Or Is It the Trees” chega com pulso percussivo bem marcado, com a flauta solando vigorosamente, nos levando a um ambiente distinto. Mais uma virada nos aguarda na última peça, desnudando novos horizontes. “The Healer” abre com um clima melancólico, de desfecho, de despedida, crescendo progressivamente até explodir em seu meio, para depois ir desaparecendo, baixando nossa escuta e nos levando ao fim do álbum. The Ocean Inside a Stone é um trabalho de grande força expressiva, amplitude estética e maturidade criativa, que bem ilustra a relevância da voz de Susana Santos Silva para o frescor da cena free contemporânea. O álbum sai em versão digital e CD no dia 8 de fevereiro.

Concert Reviews

Jazz.pt by Rui Eduardo Paes – 10º Festival Porta-Jazz
No mesmo dia, actuaram uns Impermanence bem diferentes do que já lhes conhecíamos. Em termos de sonoridade, com Torbjorn Zetterberg a tocar um baixo eléctrico sujo de efeitos e processamentos, e com o pianista Hugo Raro a focar-se, sobretudo, no sintetizador, mas igualmente dos materiais propostos. Ouvimos um avant-jazz tintado de rock, com magníficos solos de trompete por Susana Santos Silva e de saxofone alto e flauta por João Pedro Brandão, num alinhamento que por vezes resvalou para o noise e que, pelo meio, em altíssimo contraste, incluiu uma valsa sustentada por uma melodia em que os teclados mimetizaram os típicos timbres de um realejo. Num tempo em que todas as inovações pareciam já ter sido realizadas, eis que o grupo da trompetista hoje residente na Suécia soube reinventar-se e oferecer-nos algo de inesperado.

 

Rimas e Batidas by Rui Miguel Abreu
A impermanência que inspira a música de Susana Santos Silva pode encontrar-se, como ela mesmo nos explicava, na “micro improvisação”, no inesperado que cada momento pode revelar, nas dobras do tempo e nas ideias que flutuam livremente acima de cada cabeça. No passado sábado, o colectivo Impermanence – além de Susana Santos Silva em trompete (sobretudo) e tin whistle, há ainda João Pedro Brandão em saxofone alto e flauta, Hugo Raro no piano e sintetizador, Torbjorn Zetterberg no baixo eléctrico e Marcos Cavaleiro na bateria – procurou traduzir essas ideias numa belíssima apresentação no Anfiteatro ao Ar Livre da Gulbenkian, na segunda noite da programação Jazz 2020.
Perante uma plateia atenta com a lotação possível praticamente esgotada, Susana conduziu os seus Impermanence pela música de The Ocean Inside a Stone, álbum lançado no início deste ano na Carimbo Porta-Jazz. O espírito de genuína entrega à aventura que o álbum contém, com cada um dos músicos a revelar funda imaginação aliada a solidez técnica, voltou a confirmar-se no concerto.
Susana Santos Silva é uma líder generosa, que procura oferecer a cada um dos seus parceiros os espaços para se espraiarem e exporem, mas sempre com um sentido colectivo muito presente. Na entrevista com que antecipou este concerto, a trompetista explicava que cada um dos músicos já faz parte da sua ideia de composição. O que se pode entender de tal afirmação é que ao escolher trabalhar com aqueles músicos específicos, Susana já espera que cada um “leia” e “sinta” a sua música de uma forma muito particular, impossível de replicar da mesma maneira caso se alterasse algum dos elementos desta equação chamada Impermanence, ainda que haja, como aliás a presença de pautas confirmou, partes escritas que certamente qualquer outro músico desta classe poderia executar. Não seria a mesma “impermanência”, certamente…
Marcos Cavaleiro, por exemplo, revelou no seu solo quase no final do concerto um swing que parecia alinhado com a própria natureza, nada matemático, antes poético ou metafísico, capaz de abraçar o caos e dele retirar matéria relevante para o colectivo. A dada altura, num tema de contornos difusos e muito livres, sentiu-se até um groove a emergir, estranho e lento, quase como uma espécie de música fúnebre: uma fanfarra para o fim dos tempos? O piano de Raro, por outro lado, foi capaz de mostrar rendilhados dissonantes que depois se dissolviam num lago de silêncio. Em certos momentos, como quando Susana trocou o trompete pelo tin whistle, a música assumia uma dimensão mais, digamos, exótica, quase se sentindo despontar por ali o espírito celebratório que também animou tantas viagens clássicas dos Art Ensemble of Chicago. Zetterberg pode ser granítico no seu som, percorrendo, por vezes até no mesmo tema, a distância que separa os abismos do noise dos mais familiares planaltos de um groove mais estruturado. E João Pedro Brandão é um portento, rodeando subtilmente os solos de Susana, complementando-a, oferecendo-lhe outro tipo de luz ou então, quando se posicionava ele mesmo na dianteira, capaz de extrair beleza ou assombro em estado puro dos seus instrumentos.
Juntos, estes Impermanence são uma aventura plena que recompensa quem a ela se entregue com a abertura para encaixar o inesperado, a surpresa e o desconhecido. Foi o que aconteceu no sábado, na mais bela “sala” desta cidade de Lisboa.
 
Free Jazz Blog by Paul Acquaro – Jazz em Agosto
Portuguese trumpeter Susana Santos Silva has been beguiling avant-garde and improvised music fans for a number of years already. In fact, if you were looking for an international star in these concerts, it is likely her. From early works like 2011’s Oneirosto haunting solo works like 2018’s All the Rivers – Live at Panteão Nacionalboth on Clean Feed, to 2020’s The Ocean Inside a Stone on Porta-Jazz, with several in between (read an interview from 2015 with Silva here.)
My colleague Lee Rice Epstein gave Impermanence’s new recording Ocean Inside a Stone a rave review, writing:
“In a manner of speaking, Impermanence has evolved its sound both vertically and horizontally. In a more straightforward reference to itself, the quintet has embraced its name and moved on. Where they’ve gone to, however, is quite a bit trickier to put into words. Santos Silva’s syntax is as varied and robust as any trumpeter on the scene.”
For a little background, the band Impermanence, I believe, first appeared on the album Impermanence from 2015. The line-up is Silva on Trumpet, João Pedro Brandão on saxophone and flute, Hugo Raro on piano and synthesizer, Torbjörn Zetterberg on electric bass and Marcos Cavaleiro on drums, so some intersection with the group Coreto from the previous evening, and the chemistry of the tight-woven Porta jazz scene is apparent from the moment they hit their first note.
They begin with a punchy rock inflected drum beat over an elastic bass line. The trumpet and sax join with an octave jumping, fractious melody creating friction with the atmospheric bass line. Maybe that is giving too much credit to the bass alone, as the synthesizer adds a great deal of depth and ambiance. The overall effect however casts a slightly melancholic parlor over powerful psychedelic rock. The solos in general are not vehicles to impress, but rather channels that enhance the moods of the pieces. Mood is what this music seems to be about, the music invites – or rather demands – the listener to hear visually. Images that come to my mind are natural, organic, flowing. As the pieces morph from hard charging rockers to ambient rolling movements the crashing waves become eddying streams. Rivers run through this visceral music, you feel the pulse even when you cannot discern a structure.
Free improvised passages merge into bifurcated solos. Silva and Brandão play off, around, and with each others lines. Brandão’s switching between sax, alto clarinet, and flute adds new tonalities, as does the shifting sounds of the synthesizer and piano. A captivating passage begins with a Hammond organ patch on the synth that quickly adopts a circus-like cadence, which is then matched with an appropriately off-kilter melody. The mental images switch from the flowing waters to gracefully arching trapeze artists and then to clowns riding elephants. However, even this seemingly joyful moment is underscored with a bit of a brooding, unidentified menace. An explosive bass solo, full of distortion and feedback, ends this spectacular old-time reverie, and ushers the group into a unique vision of sludgy stoner rock. A later highlight is a duo exchange from Silva and Brandão, unfettered and free, it is an exciting duet before a drum solo that becomes a world-music piece as the horn players exchange their typical instruments for penny flutes.
The constant, uninterrupted shifts of tones, timbres, and tempos keeps the music flowing, and it’s focused and precise nature makes it an utterly compelling listening experience. The set was just over an hour, but the distance traveled was immense.

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